Conflito armado na Ucrânia: o papel de Portugal no âmbito da protecção internacional

O Conselho Português para os Refugiados (CPR) manifesta a sua preocupação com a escalada de violência e a acção militar em curso na Ucrânia, com consequências humanitárias sobre as populações civis que poderão ser devastadoras.

A situação actual na Ucrânia exige também uma resposta humanitária clara dos Estados-Membros da União Europeia (UE), incluindo Portugal. Assim, é essencial garantir que as pessoas afectadas pelo conflito possam alcançar segurança, ter respostas concertadas para acautelar as suas necessidades e, tanto quanto possível, diminuir os riscos das suas deslocações e promover o seu rápido e bem-sucedido acolhimento. Com efeito, a protecção internacional consiste na substituição temporária pela comunidade internacional da protecção nacional que o país de origem não consegue garantir.

Neste sentido, e tendo em conta o seu mandato[1] e as suas competências ao abrigo da Lei do Asilo portuguesa[2], o CPR apela às autoridades nacionais, para que adoptem medidas claras e resolutas com vista à protecção das pessoas deslocadas. Tais respostas devem ser abrangentes, incluindo as diversas dimensões da protecção internacional.

 

  1. Acesso ao território e à protecção

A garantia de que as pessoas que fogem do conflito, das suas consequências e de problemas conexos podem aceder à protecção internacional é essencial.

Assim, há que assegurar que as fronteiras entre a UE e a Ucrânia se mantêm abertas, permitindo a entrada no espaço da UE dos/as cidadãos/ãs que pretendam e consigam abandonar o território ucraniano.

Deve assegurar-se igualmente que as deslocações são, tanto quanto possível, seguras.

A este respeito, as autoridades portuguesas anunciaram ter sido dada a indicação às representações diplomáticas de que os processos de emissão de vistos a cidadãos ucranianos devem ser facilitados. Considera-se que se trata de um sinal positivo da posição Portuguesa quanto ao acolhimento das pessoas afectadas pelo conflito. Os cidadãos da Ucrânia beneficiam hoje de isenção de visto de entrada no território da UE para estadias até 90 dias. É essencial que Portugal continue a defender medidas e posições que não criem obstáculos indevidos à entrada no território da UE.

Ainda neste domínio, à semelhança daquela que tem vindo a ser a sua louvável posição em ocasiões anteriores, Portugal deverá continuar a promover e a participar activa e significativamente em respostas europeias que auxiliem os Estados-Membros mais directamente afectados pelos fluxos de deslocação forçada.

Tal como ocorreu noutros momentos, esta é uma situação que evidenciará as insuficiências dos critérios previstos no Regulamento Dublin[3] para alocação da responsabilidade pela análise de pedidos de protecção. Assim, uma resposta adequada deverá igualmente contemplar a aplicação pelo Estado Português das cláusulas discricionárias previstas no artigo 17.º do referido Regulamento, assumindo como tal a análise dos pedidos de protecção de pessoas que cheguem ao território nacional.

As autoridades devem ainda estar cientes de que as pessoas que fogem do conflito e das suas consequências têm necessidades evidentes de protecção internacional, pelo que a sua situação jurídica poderá e deverá ser primordialmente acautelada através da aplicação da Lei do Asilo.

  1. Garantia da qualidade dos procedimentos de análise – pedidos pendentes, pedidos subsequentes

Um segundo aspecto que deverá pautar a resposta é o da qualidade dos procedimentos de determinação das necessidades de protecção, acautelando desde logo que a análise conduzida pelas autoridades competentes equaciona devidamente a informação sobre a situação actual na Ucrânia e os seus impactos na população.

Tal aplica-se, não só a pedidos de protecção internacional que venham a ser apresentados na sequência dos eventos das últimas semanas, mas também a pedidos cuja análise esteja ainda pendente e a pedidos de protecção subsequentes[4] que venham a ser apresentados às autoridades portuguesas.

  1. Cessação da protecção subsidiária a beneficiários ucranianos

Os graves acontecimentos das últimas semanas e dias, não podem fazer esquecer que a população ucraniana enfrenta uma situação de conflito que não é nova. De acordo com os dados de que o CPR[5] dispõe, desde 2014, foram apresentados 1021 pedidos de protecção internacional por cidadãos ucranianos em Portugal. De acordo com a observação do CPR, muitos desses pedidos estavam já relacionados com a situação de conflito que se vivia no país. A muitos destes cidadãos foi concedida protecção subsidiária ao abrigo da Lei do Asilo.

Contudo, desde 2019, as autoridades nacionais têm vindo a implementar procedimentos de cessação da protecção subsidiária a beneficiários ucranianos com base na consideração de que as circunstâncias que originaram a necessidade de protecção internacional pelo Estado Português já não se verificam ou sofreram uma alteração significativa.[6]

O CPR tem vindo a destacar que a evolução das circunstâncias na Ucrânia não indiciava ser suficientemente significativa e duradoura para justificar a cessação da protecção internacional. Essa análise é claramente confirmada pelos acontecimentos recentes, pelo que se considera ser necessária intervenção também a este nível.

Desde logo, deverão ser suspensos todos os procedimentos de cessação pendentes relativos a cidadãos ucranianos ou com residência habitual anterior na Ucrânia, nomeadamente revertendo as propostas de cessação notificadas e que ainda não tenham sido objecto de decisão final. A gravidade da situação justificará igualmente que as autoridades revejam os procedimentos e decisões de cessação adoptados anteriormente.[7]

  1. Reforço das respostas de acolhimento

No âmbito da sua missão e competências, o CPR apoia e acolhe requerentes de protecção internacional espontâneos, incluindo crianças não acompanhadas, requerentes provenientes de resgates humanitários no Mediterrâneo, requerentes evacuados/as do Afeganistão, bem como refugiados/as reinstalados/as. Todavia, apesar de operar num contexto de imprevisibilidade, desconhecendo quem chega diariamente com necessidades de protecção, a situação actual na Ucrânia permite antecipar a provável chegada de um elevado número de requerentes.

Ainda que possam relevar redes de suporte existentes em Portugal (nomeadamente familiares), as respostas de acolhimento deverão ser reforçadas, recorrendo à capacidade nacional integrada por várias entidades.

A forma como a sociedade portuguesa se envolve nestes momentos, tendo em conta também o forte laço e representação da comunidade ucraniana em Portugal, deixa-nos seguros de que não faltarão respostas para os refugiados ucranianos que aqui procurarem protecção, mas não nos podem deixar esquecer das responsabilidades públicas neste domínio.

 

No âmbito da sua missão, o CPR mantém-se disponível para a reflexão acerca das recomendações referidas e para a implementação das mesmas.

 

Conselho Português para os Refugiados

25 de Fevereiro de 2022

[1] https://cpr.pt/missao-visao-e-valores/

[2] Lei 27/2008, de 30 de Junho com as alterações introduzidas 26/2014, de 5 de maio.

[3] Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013.

[4] Cf. Artigo 33.º da Lei do Asilo.

[5] Pedidos comunicados pelo SEF ao CPR ao abrigo do art.13º da Lei do Asilo.

[6] De acordo com as informações prestadas pelo SEF, em 2019, foram adoptadas 75 decisões de cessação de protecção internacional visando cidadãos ucranianos e, em 2020, 176. Para mais, ver Asylum Information Dabatase – Portugal, Update 2020, Maio de 2021, disponível em www.asylumineurope.org.

[7] Considera-se igualmente que esta situação evidencia a complexidade dos procedimentos de cessação de protecção internacional, devendo suscitar uma mais ampla reflexão das autoridades nacionais quanto ao aumento significativo que se tem vindo a verificar.

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