“Refugiado” é a Palavra do Ano 2015
LISBOA, 4 de janeiro de 2016 – “Refugiado” em primeiro, “Terrorismo” em segundo e “Acolhimento” em terceiro lugar, estas foram as palavras eleitas por 20 mil portugueses para definir 2015 na sétima edição da Palavra do Ano, conforme anunciado pela Porto Editora, esta segunda-feira, na Biblioteca Municipal José Saramago, em Loures.
As três palavras estiveram omnipresentes em 2015. Vagas assim de refugiados nunca antes foram vistas pelas atuais gerações – milhares de pessoas a atravessar o Mediterrâneo apinhadas em pequenos botes de borracha, invadindo depois os campos, as florestas, as estradas da Europa…
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A União Europeia bem se prevenira com investimentos maciços nas suas fronteiras externas. Ergueu muros sofisticados nas fronteiras terrestres, principalmente nas da Grécia e Bulgária com a Turquia. Nas fronteiras marítimas, num volte face de cinismo extremo, substituiu a operação “Mare Nostrum” pela “Triton” , esperando que o aumento do número de naufrágios viesse a dissuadir os milhares de refugiados e outros migrantes de tentarem a sua sorte na travessia. De facto, os naufrágios sucederam-se em proporções aterradoras (“Naufrágios no Mediterrâneo de 1 de janeiro a 31 de agosto de 2015”, “Doaa, a heroína mais improvável…”) mas rapidamente se encontraram rotas alternativas e menos perigosas. Afinal, a UE estava ali tão perto, nas pequenas ilhas gregas do Egeu encostadas à costa turca…
As distâncias eram tão curtas que podiam ser utilizados pequenos botes de borracha. E como é que a Frontex podia repelir diariamente dezenas, por vezes centenas, de barcos insufláveis que os passadores e traficantes lançavam ao mar sobrelotados de gente, em grande parte crianças e mulheres? Milhares de pessoas fazem a travessia todos os dias e engrossam a mole humana ao longo dos Balcãs.
Os líderes europeus tomam posições contraditórias mas Merkel diz claramente que está disposta a receber centenas de milhares de refugiados. A posição da chanceler alemã, que está longe de assentar unicamente em critérios humanitários (ver, por exemplo, Washington Post, WSJ ou Expresso (Vítor Constâncio)) constitui um enorme incentivo para milhões de seres humanos desesperados, que vivem em situações de guerra, de violência generalizada, de perseguição/intimidação ou que permanecem há diversos anos na vizinhança dos seus países de origem, em massivos campos de refugiados, sem que haja qualquer sinal de que os conflitos abrandem para que possam regressar às suas terras. Dezenas de milhares de pessoas põem-se a caminho – em outubro de 2015 houve mais entradas irregulares na UE do que durante todo o ano anterior.
A ironia desta situação é que não são critérios de vulnerabilidade humana que selecionam quem deve ter acesso prioritário ao território seguro da Europa, mas sim a disponibilidade em dinheiro vivo que cada um terá para entregar a passadores e traficantes. As posições do ACNUR, ECRE, CPR e outras instituições e organizações relacionadas com o asilo, migrações e direitos humanos, defendendo a criação de corredores e vistos humanitários, nunca foram tomadas em linha de conta. Também a reinstalação de refugiados, protagonizada pelo ACNUR, ficou sempre aquém dos seus objetivos. A refinada ironia disto tudo é que David Cameron, acérrimo defensor do fim da Mare Nostrum e opositor do sistema de quotas para recolocação dos refugiados dentro da UE, surja como o líder europeu que vai agora buscar os sírios que não tiveram dinheiro ou forças para empreender a aventura da “grande jornada dos Balcãs” e que permaneceram nos países vizinhos ou dentro da Síria.
Com os atentados de Paris em 13 de novembro, Hollande declara guerra aos terroristas do Daesh/EI, intensificando-se os bombardeamentos aéreos, agora também com a colaboração da Rússia. Se os massacres de Paris colocaram os muçulmanos sob suspeita, a chacina de San Bernardino nos EUA, a 2 de dezembro, é o rastilho para Donald Trump incendiar ódios islamofóbicos. O mundo ocidental “civilizado e dos valores humanos” acentua a sua esquizofrenia: na América, Trump quer barrar a entrada a todos os muçulmanos, mesmo aos turistas, no mesmo momento em que Trudeau, o seu vizinho logo a norte, acolhe calorosamente os sírios, acelerando a vinda de 25.000 refugiados a partir do Líbano e da Jordânia; na Europa, Merkel reafirma, embora agora mais timidamente, que não fechará a porta aos sírios, ao mesmo tempo que o vizinho do lado, Hollande, defende o encerramento de fronteiras logo na origem, entre a Turquia e a Síria.
Finalmente, a 21 de dezembro de 2015, com a votação por unanimidade do Conselho de Segurança da ONU, surge uma ténue esperança para pôr fim à guerra na Síria, dois anos e meio depois de um apelo desesperado dos líderes das principais agências humanitárias do Sistema das Nações Unidas, cinco anos após o início do conflito. A primeira reunião entre o Governo de Damasco e a oposição está marcada para 25 de janeiro. Guterres reiterou a esperança de que as conversações de Viena sejam “uma etapa decisiva para a paz, fazendo com que ela seja posta na agenda internacional como prioridade número um”.
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De acordo com o ACNUR, de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2015, 1.008.616 refugiados e migrantes irregulares fizeram a travessia do Mediterrâneo, cerca de 80% pelo Mar Egeu, e 3.771 morreram ou desapareceram. Uma em cada duas das travessias foi feita por sírios. Os afegãos correspondem a vinte por cento e os iraquianos a sete (Mediterranean Emergency Response).